A "boa sociedade", em vez de se indignar com o momento político, jurídico, midiático e social preocupante em que vivemos, prefere sentir revolta com os movimentos sociais.
Se há congestionamento nas ruas, a "boa sociedade" reage com indignação.
Se é a ocupação de um terreno improdutivo, como nas ações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), acham que é "terrorismo" ou "banditismo".
Tudo lhes é "baderna". Querem que o povo reaja calado aos arbítrios que se seguem desde 2016.
A "boa sociedade" é que escolhe o tempo que vai decidir se vai bater panelas ou caçar borboletas.
No Rio de Janeiro, então, o desligamento é total. Se tem restaurante com gás vazando, as pessoas nem ligam.
Eu vi, aqui em Niterói, perto de casa, uma pequena fogueira num poste e as pessoas ficaram tranquilas, indiferentes. Fiquei horrorizado.
Talvez fosse preciso colar um brasão de um dos quatro times cariocas para fazer o pessoal ficar aflito, porque a fogueira poderia enfraquecer o poste, tornando-o com risco de queda e até mesmo de causar choque a quem se aproximar dele, numa caminhada.
Os protestos populares, defendidos pela Constituição, são pacíficos.
No caso do triplex do Guarujá, no Edifício Solaris, na orla da cidade paulista, a manifestação de ontem de manhã foi ordeira, embora, evidentemente, ruidosa.
Uma moradora, que se identificou como Renata Simões (sem relação com uma apresentadora de TV), se sentiu "refém" no seu próprio condomínio.
Ela disse que os manifestantes "invadiram um condomínio que é de várias pessoas" e defendeu que eles fossem sair "algemados".
A manifestação durou pouco tempo, mas os manifestantes não foram detidos, tendo saído pacificamente pela escadaria.
A Veja, quando agravava seus surtos reacionários, no fim dos anos 1990, insistia na tese de que as classes populares não podiam se organizar.
Se havia organização de camponeses e operários, era "organização criminosa".
Se esses grupos se manifestavam, era "terrorismo", "baderna", "banditismo".
Se elegem representantes no Poder Legislativo e, se for o caso, no Executivo - como o exemplo de Lula - , são vistos como "corruptos".
Se ocupam cargos públicos, estão "aparelhando" ideologicamente uma instituição.
Se lecionam nas escolas, estão "doutrinando" no sentido manipulativo da palavra.
Os trabalhadores e os desempregados das classes populares não podem sequer se expressar.
Para a "boa sociedade", se eles se comportassem como avestruzes, baixando a cabeça o tempo todo, teriam "mais sorte".
As classes populares mal conseguem ter direitos, e quando recebem benefícios, ganham migalhas.
Nem o dito Espiritismo brasileiro, dos "médiuns" espetaculares vivendo de culto à personalidade e que tanto se gabam da suposta caridade que dizem ser "transformadora e progressista" mas que nada faz senão promover esses ídolos religiosos, quer ajudar realmente os mais necessitados.
Eles ficam falando o tempo todo: "sofra calado", "ame a desgraça que depois Deus lhe consola", "aceite as adversidades em silêncio".
Eles só são "progressistas" para essa "sociedade de bem" que bateu panelas só quando Lula ou Dilma discursavam em propaganda partidária transmitida na TV, à noite.
A religião da elite que traiu, ofendeu e agrediu a matriz francesa que tanto diz seguir - como um traidor que beija a mão e o rosto de quem trai - não tem a menor condição de substituir os movimentos populares.
Mas se não é o trabalhador que grita, é o estômago dele que berra roncando, são os neurônios que berram de indignação, é a revolta com tantos retrocessos que lhe faz extravasar as emoções.
Os movimentos sociais, no entanto, têm consciência que podem se manifestar de maneira pacífica, ordeira, civilizada.
Já os jovens fascistas que se dizem "de bem", não. Estes, sim, agem com violência, vandalismo, calúnias, difamação, agressões morais ou físicas.
Estes a "boa sociedade" nem se indigna, ou, quando ensaia alguma indignação, é secundária, fraca e sem muita firmeza.
O preço que tais posturas, intolerantes com os movimentos sociais e tolerantes com o reacionarismo e o descaso, será alto demais para os brasileiros conservadores pagarem.
Daí a situação complicada que o Brasil vive.
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