Por ironia, dois anos após a votação que deu origem ao golpe político, na Câmara dos Deputados, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) virou réu por corrupção passiva e obstrução de justiça.
Ele se tornou réu juntamente com a irmã, Andréa Neves, o primo, Frederico Pacheco, e o assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG), Mendherson Lima.
A votação ocorreu hoje à tarde, no mesmo dia em que outros senadores, ligados à oposição ao cenário político de hoje, foram visitar a prisão de Lula e verificar as condições da cela.
A primeira turma do Supremo Tribunal Federal, com seus cinco ministros, realizaram a votação que fez o tucano se tornar réu.
Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luís Fux e Alexandre de Moraes votaram "sim" por corrupção passiva.
Quanto à obstrução de justiça, Marco Aurélio deu "sim" parcial, Moraes deu "não" e os demais deram "sim" integral.
A corrupção passiva se refere ao esquema investigado pela Operação Lava Jato que envolveu a empresa JBS.
Na ocasião, uma gravação mostrou Aécio Neves pedindo R$ 2 milhões de popina a Joesley Batista.
A votação tem uma coincidência irônica.
Em 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados, com um PMDB em boa parte rompido com Dilma Rousseff e a oposição oferecendo seus ombros para consolar o derrotado Aécio, votou pela abertura do processo de impeachment da presidenta.
Horas antes da votação, uma "pegadinha" armada pela Furacão 2000 que se passou por "solidária" a Dilma Rousseff e combinou participar de uma manifestação contra o impeachment.
O DJ Rômulo Costa nunca foi de esquerda, sua atual esposa é filiada ao PSD (partido que participou do golpe de 2016), nomeou Luciano Huck embaixador do "funk" e tem amigos do MDB e das Organizações Globo afinados com o atual cenário político.
Apesar disso, até hoje setores das esquerdas agradecem o "apoio" da Furacão 2000, como galinhas agradecendo a raposa por ter entrado no galinheiro.
Aqui temos um detalhe curioso: as esquerdas foram ingênuas e agiram com boa-fé.
A atuação "solidária" do "funk" foi como um "cavalo de Troia" que anestesiou o protesto contra o impeachment e fez todo o seu poder de força se dissolver pela "alegria da dança".
O quase "fogo amigo" de Rômulo Costa - embora sabemos que é um "apoio" vindo de fora - garantiu a tranquilidade da votação dos que queriam Dilma Rousseff fora do poder.
Quem não foi ingênuo foi Aécio Neves, que alegou ter agido com "boa-fé" nos esquemas de corrupção a ele atribuídos.
Embora Aécio Neves tivesse que sofrer os efeitos do golpismo político que planejou, a votação do STF não é um fato a ser comemorado.
Primeiro, porque é um feitiço contra o feiticeiro, mas, mesmo assim, com a manutenção do jogo político do golpe jurídico-parlamentar.
A votação segue os mesmos critérios do poder político que hoje exerce o Poder Judiciário, num desvio de função que faz muitos especialistas falarem em "ditadura da toga".
O jogo jurídico continua sendo o mesmo que combateu petistas e o indiciamento de Aécio é apenas uma forma de dizer que esse jogo é "imparcial" e dar a impressão de que "a lei vale para todos".
Segundo, porque Aécio ainda não é condenado, e pode ter um tratamento diferenciado no processo jurídico.
Políticos do PSDB tendem a sair de fininho de qualquer encrenca. Geraldo Alckmin e Beto Richa, recentemente, escaparam de serem investigados em inquéritos sobre corrupção.
Terceiro, o indiciamento de Aécio é uma forma do Judiciário atender a uma demanda da opinião pública que agora tende a pedir o "fora todos".
Essa hipótese é baseada na aparência de "imparcialidade" que já citei na primeira hipótese, mas revela um perigo maior.
Revela o aumento do poder da Justiça, que pode atropelar o equilíbrio dos poderes.
Afinal, se o Judiciário se colocar acima do Legislativo e do Executivo, o golpe político que vivemos se tornará mais explícito.
Por isso, embora Aécio Neves mereça sofrer os efeitos de seu golpe político, ele deveria ser feito dentro de critérios jurídicos menos tendenciosos.
O fato do golpe político-jurídico se voltar contra um de seus artífices não significa necessariamente que a democracia voltou.
E se houver, por trás disso, um interesse do grupo paulista do PSDB em tirar Aécio, que ameaça os interesses de Geraldo Alckmin e José Serra?
E se houver, também, o interesse da plutocracia em tirar alguém tão ostensivamente associado à corrupção como Aécio Neves, blindado pela mídia oligárquica, mas "linchado" nas mídias sociais.
Aécio tornou-se um "anel" incômodo para os dedos da plutocracia.
Além disso, as elites precisam dar a impressão de que estão removendo "toda a velharia" da política nacional.
Daí que elas precisam dizer que "também punem o PSDB", que a Justiça "é para todos", que "ninguém vai ficar impune".
É preciso, sobretudo, reforçar o verniz novo do velho Brasil que ressurgiu em 2016. Como uma conversa para bois e eleitores dormirem tranquilos, este ano.
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