Num tempo em que o show business vive o escândalo dos assédios sexuais e a sociedade brasileira vive surtos de preconceitos sociais abertos, o mercado publicitário sempre foi marcado por eventuais casos de sordidez.
No passado, comerciais expressavam escancaradamente retrocessos morais.
Quem é mais velho e viveu nos EUA deve se lembrar do comercial dos Flintstones, um desenho animado para o público infanto-juvenil, com os amigos Fred Flintstone e Barney Rubble fumando um cigarro.
Houve comercial com homem dando surra em mulher no colo dele, como se isso fosse positivo.
No Brasil, entre os anos 1970 e 1980, aparece uma imagem de um sutiã diante do rosto de um homem de aparência bem viril, sugerindo machismo.
A situação era bem pior antes, mas não deixa de ter seus desastres que os espectadores não percebem.
Como no caso do Semp Toshiba, numa campanha de 1994.
Enquanto pessoas estão na fila para uma sessão de um filme, um menino peralta grita que a mocinha do filme foi morta pelo marido.
O tom parece divertido e engraçado, mas a mensagem sugere incitação à violência contra a mulher.
Isso é gravíssimo. E com o impulso que os machistas têm de eliminar suas mulheres por ciúme doentio, esse comercial é um bom incentivo.
O comercial já passou, mas foi reproduzido no YouTube, e assusta a reação bovina dos midiotas.
Ninguém veio dizer que o comercial incitava a violência contra a mulher, o pessoal se limitou a dizer que o comercial é "divertido", "engraçado" e "um clássico".
Eu, nos meus 23 anos de idade na época, fiquei profundamente revoltado com o comercial, pelos efeitos potenciais que isso pode trazer, dentro de um contexto em que o feminicídio já causa estragos suficientemente devastadores na sociedade.
Eu, como homem, também sou lesado pelos feminicidas. Eles diminuem o número de mulheres vivas e, com isso, há menos opções para um homem poder escolher para namorar.
Pior: quando os feminicidas saem da cadeia, eles ainda levam a melhor na conquista de novas namoradas do que muitos homens dotados de caráter mais respeitoso, generoso e admirável.
Mas o racismo também mostra suas atrocidades, que, no Brasil, vitimaram de Taís Araújo à menina Titi, filha adotiva de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank.
Na publicidade, foi um comercial estrangeiro que mostrou um menino negro vestindo um casaco.
A mensagem descrita no casaco, de moletom, dizia : "Coolest monkey in the jungle" (O macaco mais legal da selva)".
A frase indignou as pessoas do mundo inteiro.
Um dos indignados, o cantor canadense The Weeknd, ex-namorado de Selena Gomez, era garoto-propaganda da marca e, sendo negro, foi um dos que mais se sentiram humilhados com a mensagem do moletom.
Ele afirma ter se sentido ofendido e chocado com a imagem do menino negro com o casaco.
A H&M, em comunicado, informou que retirou a peça publicitária e pediu desculpas pela atitude.
Tal como o comercial da Semp Toshiba, a perversidade social não aparecia "crua" no discurso publicitário.
Assim como o menino no cinema que anunciava um feminicídio no final de um filme, pulando feito um peralta, o menino negro mostrava, serenamente, o casaco da H&M com mensagem machista.
Portanto, à primeira vista, as duas mensagens aparecem em contextos "não agressivos".
Mas é aí que eles se tornam agressivos, porque suas mensagens se inserem nas mentes dos consumidores de maneira mais tranquila.
O menino negro tido como "o macaco mais legal da floresta" e a mocinha que, no "final (feliz?)" de um filme, é morta pelo marido, são duas graves perversidades sociais.
Elas são mais perigosas porque inseridas de maneira serena, através de um negro com semblante tranquilo e um menino sapeca pulando dentro do cinema.
Através de duas crianças, a sordidez social de racistas e machistas pode influenciar os consumidores, sem que eles percebam a perversidade da coisa.
Isso é muito grave e deveria ser alvo de preocupação de todos.
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