Imagine se criminalizarmos o chiclete de bola.
Acusamos o chiclete de bola de apologia à violência e à baixaria.
Aí surgem as manifestações a favor do chiclete de bola que o promovem a alimento mais saudável do mundo.
Cria-se uma produção de consenso para tanto, com surpreendente insistência.
E aí o doce de mascar passa a ser conhecido como o alimento mais nutritivo do mundo.
Ainda que isso valha apenas, digamos, no Brasil, onde o "dia mundial do rock" não passa de uma efeméride criada por pseudo-roqueiros paulistas.
Mas o Brasil é um país estranho, em que o universo gira em volta dos umbigos de certas pessoas.
O caso do chiclete de bola explica bem o problema do "funk".
Ele sempre foi um ritmo dançante comercial, sem muita importância, um pop dançante que nem devia ser levado muito a sério, como a dance music na Itália, Bélgica, Suécia, EUA, Reino Unido etc.
Mas foi só o "funk" aparecer nos noticiários policiais para, de repente, ser produzida uma retórica engenhosa e sofisticada, embora bastante confusa e contraditória.
O "funk" passou a ser vendido sob a falsa imagem que combina rótulos como "vanguarda cultural", "rebelião popular" e "cultura das periferias" que não condizem ao conteúdo.
O "funk" não pode ser cultura porque não interfere na realidade. E também não é arte porque não é manifestação do espírito humano, mas de corpos dançantes.
Poucos se lembram que, antes desse discurso ser servido, com assustadora insistência, para as esquerdas, ele era tramado por veículos conservadores como Globo e Folha de São Paulo.
A Folha de São Paulo "inventou" o sucesso de Tati Quebra-Barraco.
As Organizações Globo "fundaram" a APAFUNK, tirando do limbo um dos dois irmãos funqueiros de uma música resgatada por um filme da Globo Filmes, de um cineasta ligado ao Instituto Millenium e fã de Sérgio Moro, o juiz que condenou Lula.
Quase ninguém se lembra que tudo quanto era veículo e atração das Organizações Globo fez alguma campanha pelo "funk" com intensidade surpreendente entre 2003 e 2005.
Até o Casseta & Planeta criou personagens funqueiros para atender a essa demanda.
Recentemente, um museu controlado pela família Marinho inaugurou uma exposição de Josephine Baker chamando um grupo de funqueiras.
As pessoas se esquecem disso. Só se lembram do "funk" quando ele está ao lado de Lula, Dilma Rousseff etc.
Quanta ingenuidade.
E é um pessoal que acredita que o "funk", mesmo claramente calcado no miami bass estadunidense, "nasceu" no Quilombo dos Palmares.
A verdade é que vivemos uma sociedade hipermidiatizada.
Ela é tão hipermidiatizada que nem mesmo as esquerdas conseguem identificar todas as armadilhas.
O que o jornalista britânico Robert Fisk falava sobre o "vocabulário de poder", usado pela grande mídia estadunidense, se aplica no Brasil até no âmbito do lazer.
Vide a gíria "balada", fruto do poderoso lobby Rede Globo-Luciano Huck-Jovem Pan.
"Balada" é uma gíria totalitária, que se recusa a ter a vida breve e o alcance grupal das gírias, e que é tão estúpida que pode definir tanto uma apresentação de DJ quanto um jantar entre amigos.
Mas as pessoas pronunciam essa gíria como se ela viesse com o ar que respiramos.
Muitos se esquecem do quanto a Globo condiciona os comportamentos da sociedade, criando um "idioma" para o povo falar.
A Globo determina o que as pessoas devem dizer, pensar, vestir, e até as músicas que devem ouvir.
O poder da Globo é tão assustador, por influenciar o inconsciente coletivo das pessoas, que sua influência atinge até uma parcela de seus detratores.
E aí muitos pensam que o "funk" é uma combinação de folclore com cultura underground.
Nem uma coisa, nem outra.
O "funk" é um ritmo pop dançante e ultracomercial, e nem precisava dessa discurseira toda.
Ou pelo menos que se limite a brincar de "cultura de verdade" junto à mídia hegemônica.
Esse discurso pseudoativista soa chato, com a mesma choradeira do "preconceito" e um papo "cabeça" que força demais a barra.
E ainda tem gente, como o pessoal da Liga do Funk, que tem surtos de pura ingratidão.
Eles esculhambam as Organizações Globo que tanto deu visibilidade e popularidade ao "funk".
E isso com matéria elogiosa no portal G1 e tudo.
Isso é cuspir no prato em que se comeu com muito gosto e apetite.
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