A inclusão do "funk" na agenda das esquerdas é muito estranha.
O ritmo, por mais que a intelectualidade "bacana" diga que tenha "sotaque afro-brasileiro", se inspirou claramente no miami bass da Flórida, EUA.
Sabe-se que a Flórida não é lá um bom ambiente para se expressar ideais socialistas.
O local é reduto de latino-americanos de direita, inclusive cubanos anti-castristas, mas também jamaicanos, dominicanos e portorriquenhos, entre outros, de perfil bastante conservador.
Evidentemente, são pessoas de elite ou de classe média, mas não parece que os intérpretes, produtores e o público de miami bass, associado às classes populares, esteja inclinado a algum ideal de esquerda.
Talvez eles sejam do tipo neutro e despolitizado, embora não seja impossível haver os chamados "pobres de direita", sobretudo anti-castristas, no gênero.
Sabe-se que o miami bass é um ritmo abertamente comercial, seu esquema profissional é precarizado, e nos bastidores há muita intriga e relações, digamos, "sombrias".
Deixo detalhes para os jornalistas investigativos que puderem ir lá com dinheiro e segurança.
Hoje há uma tendência de "etnicizar" e "guevarizar" qualquer coisa, de modo que até um chiclete de bola seja considerado alimento de altíssima nutrição.
Só que vivemos numa sociedade hipermidiatizada e hipermercantilizada.
Não é o "comercial" que se torna "artístico-cultural" e "socialista", mas são as tendências mais avançadas que são assimiladas pelo mercado e pelo establishment.
Hoje até feminismo e negritude viram mercadoria, e a provocatividade pode se tornar um processo inócuo de puro entretenimento.
O desafio não está em empurrar o que era comercial ontem para o patrimônio artístico-cultural mais ocnceituado, sob a desculpa de um modismo refletir a "realidade do público".
O desafio está em evitar que façanhas comportamentais e artísticas se reduzam a meras mercadorias, através da banalização que esvazia qualquer sentido de manifestação.
O "funk" no Brasil se insere nesse contexto, não no esforço do comercial em querer ser "artístico-cultural", do mercadológico querer ser "socialista".
O contexto é de banalização do ativismo social e comportamental, reduzido à mercadoria e à banalização e, através dessa forma banal, ser apropriada pelos funqueiros.
E a sua origem baseada num ritmo comercial da Flórida mostra a incoerência de guevarizar justamente o "funk".
É claro que o nível de incoerência é menor que o "sertanejo", porque este, claramente patrocinado pelo latifúndio e pela cúpula do agronegócio, tem mais dificuldades de ser "guevarizado".
Mesmo assim, ainda que pareça verossímil, não há como "guevarizar" o "funk".
O ritmo evoca o "orgulho de ser pobre", uma estranha ideologia que muitos imaginam ser a favor das classes populares.
Não é. É apenas uma parte do mito da "pobreza legal" que pegou as esquerdas desprevenidas por causa da retórica habilidosa de uns intelectuais infiltrados, vindos da mídia venal ou por ela apoiados.
A "pobreza legal" que exaltava o que na verdade era ruim para os pobres.
Ter dentes faltando, viver em casas condenadas, trabalhar com produtos clandestinos ou piratas, as mulheres se prostituírem, os idosos se divertirem na embriaguez.
Tudo isso era visto como "positivo" por uma intelectualidade "bacana" que era divinizada e detinha a supremacia da visibilidade.
Eram intelectuais que viravam "esquerdistas" por tendenciosas críticas aos direitistas de plantão e bajulações baratas a Lula e Dilma Rousseff.
E faziam isso visando uma graninha da Lei Rouanet para financiar seu "coletivo" e suas instituições.
Aí eles difundiram o discurso da "pobreza legal" e mesmo os movimentos sociais caíram na falácia de que "como é legal ser pobre".
Evidentemente, aquele antropólogo e jornalista cultural "muito legais", que "sabem das coisas", nunca viveram nas favelas que tanto exaltam como paraísos de provocatividade.
O "funk", principal prato desse cardápio ideológico, vem com esse aspecto estranho de exaltar a "pobreza legal".
E o "funk" dá um tiro no pé na sua autoproclamação de ser "movimento cultural".
Isso porque o "funk" sempre culpa a realidade pelos defeitos expressos no gênero.
A verdadeira cultura não culpa a realidade e nem se resigna em ser reflexo dela, mas surge para intervir na mesma e criar uma realidade diferente.
O "funk", ainda que diga "seguir" tal tarefa, nunca demonstrou isso de verdade. E nada melhorou com o "funk", passados 15 anos de retórica "socializante".
O rock'n'roll, com 12 anos de existência, já provocava profundas transformações artísticas e sócio-culturais.
O "funk" não, sempre ficou na mesma essência e ainda faz pose de vítima da realidade que nunca se encorajou em transformar.
Diante disso, se o "funk" desgastar o seu verniz "libertário" e "provocador", periga cair no mesmo niilismo que fez parte do rock brasileiro e estrangeiro se tornar reacionário.
E aí talvez as esquerdas reflitam o fracasso da crença de que as forças progressistas subiriam ao poder "descendo até o chão".
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