Quando surgiu mesmo a Contracultura, o movimento juvenil que revolucionou a humanidade no mundo desenvolvido?
Os brasileiros consideram 1968 ou, quando muito, 1967.
Grande engano.
A Contracultura já existia em 1960, com os sit-ins dos estudantes negros dos EUA que, calmamente, permaneceram sentados numa lanchonete de brancos esperando pelo atendimento que lhes era recusado.
O documentário francês Crônicas de um Verão (Chronique dun Eté), de Jean Rouch e Edgar Morin, é puro 1968. Só que foi feito em 1960.
E o que era 1960 no Brasil?
Inauguração de Brasília, depois de um processo caótico de construção, chanchadas e teatros de revista entrando em declínio, serestas e marchinhas disputando as paradas radiofônicas com ídolos juvenis de um rock mais pueril e músicos da Bossa Nova.
Contracultura pode ser em 1957, quando foi lançado Pé Na Estrada (On The Road), de Jack Kerouac, livro sobre o estilo de vida beat.
Mas pode ser, no sentido de massificação, o ano de 1965.
E o que era 1965 no Brasil?
A consolidação da ditadura militar, depois que um astral melancólico da sociedade que deu um basta em governos progressistas estava desiludida com um governo mais conservador que havia pedido em passeatas.
Mas isso não é 2016? É, mas também foi 1965.
A diferença é que em 1965 a música brasileira serviu de foco de renovação e resistência cultural, causando impacto em programas musicais da televisão, como nas emissoras Excelsior e Record.
Hoje o que era chamado de nova MPB se resume a homenagens intermináveis, como se estivesse se despedindo do público, entregue a popozudo-safadização musical pelo brega-popularesco temperado também por "sertanejos" produzidos em série, como automóveis de fábrica.
Neste caso 2016 não é 1965.
Em 1965, criticávamos as marchinhas, hoje se criticamos o "funk" (ritmo musicalmente ruim e mais voltado para o marketing), somos tidos como "preconceituosos".
E, em termos de rock, ainda éramos atrasados. Ainda se ouvia The Platters, Domenico Modugno e Pat Boone no Brasil de 1965, quando a psicodelia já ocorria nos EUA e Reino Unido.
Em 1965, Jimi Hendrix, músico acompanhante de intérpretes de rock e soul, tinha um monte de ideias musicais em sua mente inquieta, que aplicou fartamente em sua breve carreira individual.
E é esse estado de espírito que Andrew Grant Jackson analisou em 1965: O Ano Mais Revolucionário da Música (1965: The Most Revolutionary Year in Music), lançado no Brasil pela editora Leya, sob tradução de Edmundo Barreiros.
Não li o livro, mas evidentemente vários personagens enfocados a gente enumera de olhos fechados.
Beatles, Rolling Stones, Byrds, Who, Bob Dylan, Simon & Garfunkel, Beach Boys e até o reggae dos Wailers, banda que lançou Bob Marley e Peter Tosh.
No âmbito comportamental, tínhamos os mods, os primeiros hippies, sobretudo os que pegavam carona na kombi do escritor Ken Kesey e seus Merry Pranksters.
E tínhamos a pop art de Andy Wahrol e seus planos de unir teatro, artes plásticas e música, empresariando o Velvet Underground do poeta Lou Reed.
Não sei se Andrew fez cobertura de outros aspectos de 1965 bastante interessantes.
1965 foi o ano dos primórdios dos Doors e do Pink Floyd, ainda com Syd Barrett à frente.
E, no distante Peru, uma banda de garagem chamada Los Saicos antecipou, sem querer, a sonoridade e a atitude depois conhecidas como punk rock.
O que se sabe é que 1965 chega ao mercado brasileiro com o nosso país no mesmo clima melancólico daquele ano sessentista, que já sofria a ressaca do golpe de 1964, ano mais animado para a direita social brasileira.
1965 foi bem mais grato musicalmente que o 2016 marcado pelo comercialismo voraz.
Curiosamente, é o mesmo 2016 do Desert Trip, em realização em Indio, cidade da Califórnia, EUA, perto do local onde é realizado o festival Coachella.
O festival inclui músicos e bandas que estiveram em evidência em 1965, como Paul McCartney, Bob Dylan, Who e Rolling Stones.
Tanto no brega-popularesco musical quanto no pop com mais coreografia (e haja dançarinos) do que música.
Temos que aprender bastante com 1965.
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