No desmonte da MPB, o brega-popularesco tenta apelar para tudo.
Estamos na terceira linhagem do brega.
Antes tínhamos a geração "tradicionalista" de Waldick-Odair e depois a dos "sofisticados" dos anos 80 e 90, com sullivans, chitões, zezés, bells, belos e ivetes.
Hoje temos os pós-bregas, que entendem mais de MTV e Billboard do que de cultura brasileira.
Gente que parece superinformada e superengajada, mas que é ainda mais escancaradamente comercial.
É capaz até de transformar corte de cabelo moicano em uma moda para vaqueiros modernos de Barretos.
É esse pessoal que quer "valesquizar" e "wesleyficar" a MPB, para os aplausos dos intelectuais "bacanas" que, a serviço da Globo e Folha, se entrincheiram até no portal da Carta Capital.
Ganham o salário da mídia esquerdista para falar coisas que um Luciano Huck falaria com muita paixão.
É surreal esse hit-parade brasileiro em que a "subversão" está na plateia e o valor artístico se mede na provocatividade.
Só que ninguém tem valor artístico porque incomoda, o incômodo não é atestado de talento em si.
Mesmo quando alguém faz arte para chocar, sabe que não vive para isso.
Já no brega-popularesco, se vive de incomodar os outros. Quanto mais irrita outrem, mais "genial" é.
E isso cria um círculo vicioso.
Os intelectuais em geral criticam a MPB porque ela parou em Chico Buarque, Maria Bethânia, Djavan etc., que ela está velha e desgastada, que "lembra 1964" e tudo o mais.
Mas não há gente com fibra artística e visceralidade para misturar atitude e música.
O que se tem é gente criando polêmica, causando incômodo e se achando com isso.
Se esquece da música, e seu palco se reduz a um palanque em que a provocatividade vira fogo de palha, aliciando as esquerdas festivas, iludindo as esquerdas em geral que morde a isca e depois é apunhalada pelas costas com os funqueiros "quebrando tudo" nos palcos da Rede Globo.
O "funk" que desde 1990 reduziu a pó o legado de James Brown, surgiu terceirizado no Brasil.
A precarização musical de um gênero que antes tinha orquestras e reinventava, num contexto soul, o trio guitarra-baixo-bateria sob a cumplicidade de órgãos e instrumentos eruditos, reduziu-se a um karaokê em que uma mesma batida monótona era usada para todo mundo.
O "funk" só muda se o empresário-DJ quiser. Se quiser incluir trumpete de música mexicana, tudo bem. senão, nada feito.
Nos primórdios do rock, uma cantora de apoio da banda de Bo Diddley também tocava guitarra.
Durante quinze anos, um MC de "funk" não podia sequer beliscar um violão.
Dizer que nessa época o pobre não tinha dinheiro para tocar violão é conversa mole. O violão sempre foi instrumento de pobre, era até visto como "instrumento de vagabundo" no século XIX.
Mas hoje os empresários de "funk" tentam de tudo: sampleiam gaita e trumpete mexicano, botam MC para duetar com banda, tentam agora enfatizar a tendência melody etc.
Só que isso é a "vontade do freguês".
O "funk" que o Brasil conheceu a partir dos anos 1990, que jogou as lições de James Brown no lixo e reduziu as de Afrika Bambattaa a uma piada, sempre foi comercial.
Criava uma visão glamourizada da pobreza e da ignorância, criando uma caricatura do povo pobre que nem as chanchadas da Atlântida e os teatros rebolados de Carlos Machado e Walter Pinto teriam coragem de fazer.
O "funk" transforma pobreza em mercadoria para o deleite das elites.
E, por conseguinte, mercantiliza também o ativismo social, o feminismo.
Só que é um feminismo caricato, forçado, tendencioso, embora se autoproclame "realista".
Um suposto feminismo com uma relação muito mal resolvida com os valores machistas dos quais nunca teve coragem de romper completamente.
As mulheres reagiam ao machismo com machismo. Era a briga da mulher-objeto com a "rainha do lar", era o duelo entre a cara e a coroa de uma mesma moeda.
E aí é que temos certos impasses. Quando houve o estupro coletivo em Jacarepaguá, meses atrás, vitimando uma jovem adolescente e pobre, a "militante feminista" Valesca Popozuda foi passear na Disney com uma ex-BBB.
Não queria explicar por que o "funk" tem um DNA machista, já que um dos estupradores citou um MC de "proibidão".
Mulheres-frutas existem aos montes orgulhosas de serem brinquedos sexuais de internautas, sem medir escrúpulos de se acharem felizes sendo "desejadas pelos fãs".
As primeiras mulheres-frutas foram empresariadas por gente como Alexandre Frota, um machista convicto, que volta e meia esculhamba mulheres de esquerda com comentários grosseiros.
É o mesmo Alexandre Frota que virou divulgador da Escola Sem Partido, projeto criticado num suposto protesto estudantil sob a trilha sonora de... "funk".
E isso no Paraná de Sérgio Moro, na "República de Curitiba" da Lava Jato.
E que tem um líder do MBL (sim, o Movimento Brasil Livre de Kim Kataguiri, Renan Santos e o vereador eleito pelo DEM, Fernando Holiday), Pedro Ferreira, vivendo de "funk alternativo" com o Bonde do Rolê.
Tão "esquerdista" o "funk" tem como embaixador o tucano Luciano Huck e como parlamentar criador do "Dia do Funk" um peemedebista ligado a Eduardo Paes e apoiador de Aécio Neves na campanha de 2014.
Isso sem falar da Rede Globo, o Olimpo nunca assumido do "funk", com provas documentadas em vídeo, mas sem qualquer convicção.
Daí ser fácil "bolivarizar" tudo o que os funqueiros fazem. Num contexto em que tentaram bolivarizar até a "dança do bumbum" do É O Tchan, tudo é possível.
Daí MC Carol vira "revolucionária" com letras contra o machismo.
Recentemente, chamou a colega de "provocatividade" Karol Conká, a nova queridinha da intelectualidade "bacana", para gravar a música "100% Feminista".
O problema não é mencionar a realidade da violência da mulher.
Afinal, Cabo Anselmo também falava da humilhação de cabos e soldados na rotina militar.
Isso acaba virando discurso de palanque, mercadoria, panfleto. É fácil se preocupar demais com a polêmica e se esquecer da música.
No "funk", então, as analogias com Cabo Anselmo são muito gritantes.
Há vezes que MC Leonardo lembra um colunista de Veja dizendo como a esquerda deve se comportar.
A associação do "funk" com a CIA tem provas, mas não tem convicções. Entidades ligadas ao Departamento de Estado dos EUA comprovadamente colaboram com instituições brasileiras que apoiam o "funk".
Hermano Vianna citou uma delas, a Fundação Ford, como financiadora do livro O Mundo Funk Carioca.
O pior é que nos EUA o discurso feminista é ligado ao hit-parade de Beyoncé Knowles, Nicky Minaj e companhia, com toda a polêmica e provocatividade conhecidas.
Mas ninguém bolivariza nem guevariza essas atitudes. E olha que Beyoncé e o marido Jay Z viajaram para Cuba. Mas, no plano político, estão mais próximos do Partido Democrata, o PMDB ianque.
Deixam o ativismo para Emma Watson fazer, com criatividade, equilíbrio, humildade e sem a misandria típica das funqueiras brasileiras.
Não é à toa que Marcela Temer e Renata Frisson, a Mulher Melão, são de uma mesma geração.
Representam os dois lados da mesma moeda que brigam no "feminismo de resultados".
A funqueira reage ao mito da "recatada do lar" porque não quer viver em casa.
Seu "lar" é o "baile funk", seu palco e seu palanque, mas complacente com o mercado de objetos sexuais que o contexto cria sob o pretexto da "liberdade do sexo" e da "empoderação feminina".
Mas a briga entre a mulher-objeto e a "rainha do lar" perde o sentido por serem ambas dois lados da moeda feminina criada pelo mercado machista.
"Funk", com certeza, não é Dilma. "Funk" é Temer. Está no dicionário.
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