Como fugir do lugar comum nos comentários sobre os 20 anos sem Renato Russo?
Até os tais "sertanejos universitários" vão babar ovo em cima das cinzas do saudoso vocalista e compositor.
É certo que Renato Russo foi uma figura ímpar, um grande letrista, que descreve a realidade do nosso país.
É certo que a música "Que País é Este?" (às vezes chamada de "Que País é Esse?") soa bastante atual nestes tempos temerosos, e, por incrível que pareça, não seria endereçada a Lula.
Renato Russo, assim como Cazuza, estariam solidários a Dilma Rousseff, por mais que discordassem de seu governo.
O comportamento de cada um deles sinalizaria isso.
Eles não ficariam dançando nos trios elétricos em devoção ao Pato da Fiesp gritando "Fora PT".
Renato Russo não teria gostado de ver Dinho Ouro Preto dedicando a música ao juiz midiático Sérgio Moro.
Como muitos falecidos, a verdade é que Renato Russo é muito mal compreendido, usurpado e deturpado.
Existe até um falso Renato Russo que anda perambulando em risíveis mensagens "mediúnicas", com música gravada e tudo.
Um Renato Russo estereotipado que serviu de fonte para roqueiros de terceira divisão dos anos 80 em diante fazerem caricaturas que, de tão ridículas, soam cômicas.
Vocalistas chorosos cantando coisas como "sombras que me seguem", brincando com os movimentos dos braços, abraçando tristes o pedestal do microfone, baixando a cabeça e fechando os olhos.
Mas houve um Renato Russo que até Millôr Fernandes pôde entender.
Um Renato Russo que eu acompanhei ainda nas ondas da Fluminense FM, em 1984.
Adorava ouvir aquelas demos, com sonoridade crua, tipo banda de garagem.
Em 1986, eu cheguei a ouvir o lançamento de "Tempo Perdido" e "Eduardo e Mônica" na rádio niteroiense, muito antes delas se tornarem sucesso.
Mais recentemente, conheci o som tocado pelo Aborto Elétrico, banda punk que procurava pelo menos acertar o relógio, pois surgiu em 1978, quando o punk já havia saído do auge na sua fase inicial.
Pelo menos foi uma defasagem de dois anos, num país em que as novidades chegam muitas vezes a quinze anos de defasagem.
A cena brega-popularesca de hoje, de telós, mcs carols, ludmillas, valescas, guimês, safadões, luans, anittas, luccos, boréis, thiaguinhos etc é toda copiada do pop comercial estadunidense de 1998-2002.
Ver o Aborto Elétrico sentindo os ventos de 1976 em 1978 já era o máximo de façanha, um esforço de contemporaneidade comparável ao de Raul Seixas assimilando o rock em 1956.
Nem todos entendem Renato Russo, sobretudo ignorando que a Legião Urbana tinha duas fases, assim como os Beatles.
Havia uma fase mais punk, herdada do AE, entre 1984 e 1987.
Assim como a barulheira das fãs incomodaram os Beatles que decidiram virar banda de estúdio e iniciar uma nova fase, em 1966, a Legião teve uma apresentação turbulenta em Brasília, em 1988, bruscamente interrompida.
Isso fez a banda deixar de se apresentar na capital por um bom tempo e, sobretudo, mudou a sonoridade da banda e as letras de Renato, mais reflexivas e com mais lirismo e melancolia.
Daí que a fase As Quatro Estações até o fim da banda, pelo motivo trágico da AIDS que fez Renato ter o mesmo tempo de vida de Marilyn Monroe e Lady Di, foi marcada por uma postura menos punk, mas não menos pungente.
Já não era a fase de "Química" ou "Fábrica", mas de "Há Tempos" e "Pais e Filhos".
A exemplo dos Beatles, que trocaram "I Want To Hold Your Hand" por "I Am The Walrus".
Foi uma breve trajetória, com o primeiro álbum, intitulado apenas Legião Urbana, lançado no fim de 1984.
O crédito de 1985 é mais de divulgação nas rádios e venda nas lojas, mas Legião Urbana era do ano anterior.
Até A Tempestade, último álbum lançado pela banda, em 1996, foi uma pequena porção de grandes discos.
A Tempestade apenas foi para as lojas, e pouco depois Renato Russo, há um bom tempo fragilizado, estava morto.
Mas até hoje a Legião Urbana continua sendo tocada nas rádios e o grupo é uma das principais referências do Rock Brasil e foi adotado até pelo público da MPB.
Na boa, "Andrea Dória" daria uma excelente versão gravada por Chico Buarque.
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