Sigla que simbolizou o reencontro de duas facções da sofisticação musical brasileira, a bossanovista e a cepecista, a MPB celebra 50 anos como movimento simbólico num cenário de crise e de profunda esterilidade.
Ela surgiu no primeiro grande festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Excelsior, em 1965. No ano em que surgiu a Rede Globo que seria protegida pela ditadura militar, a TV Excelsior, que lançou o 1º Festival de MPB, era conhecida como a vanguarda da programação televisiva.
A Excelsior havia contribuído para, dentro do padrão de televisão comercial, lançar ideias progressistas e dar apoio à cultura brasileira de qualidade. E, naquela época, predominava a cultura musical de excelente valor, embora o fantasma do brega-popularesco já rondasse os redutos coronelistas do entretenimento desde, pelo menos, 1958.
A Bossa Nova havia sofrido uma divisão quando, discutindo os rumos da cultura brasileira, Carlinhos Lyra, ao sentir simpatia com os movimentos de resgate das raízes folclóricas pelo Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, entrou em desavença com Ronaldo Bôscoli, jornalista que preferiu se manter fiel à linha descompromissada e sofisticada da Bossa Nova.
A partir dessa divergência, a música brasileira feita por setores de classe média - havia música popular autêntica naqueles tempos; roças, agrestes e favelas tinham sua música de primeira - seguiu por dois caminhos: um é a música de raiz e de protesto, pelo CPC, e outra de requinte poético e melódico, pela Bossa Nova.
Com o golpe militar de 1964 - que durante anos foi denominada de "revolução" - , as duas facções acabaram se unindo pelas circunstâncias. O CPC foi extinto, já que a UNE foi cassada, e com isso o debate sobre cultura das classes pobres foi interrompido (e depois ridicularizado, nos anos 80, por uma elite da USP). A Bossa Nova não poderia expressar sua arte esperançosa num contexto sóciopolítico ruim.
E aí vemos a fusão entre a Bossa Nova e a música do CPC. De um lado, a sofisticação artística, a influência jazzística, o lirismo poético. De outro, os elementos musicais de raiz, os ritmos regionais, as temáticas de protesto, a realidade do povo pobre. O que hoje se conhece como a MPB moderna, que prevaleceu entre os anos 1960 e 1970, se desenvolveu a partir daí.
Com as manobras da ditadura militar e seus braços midiáticos, a MPB moderna se distanciou das classes populares e, até 1977, era ainda apreciada à distância nos subúrbios e roças, mas depois a bregalização fez soterrar o legado da MPB, seja ela de classe média, sejam as raízes das classes populares.
E aí veio o turbilhão comercial dos ídolos bregas, trabalhados pelo departamento de marketing das gravadoras, numa sucessão de modismos e tendências que acostumou mal até a classe média que só ouvia MPB da safra 1965-1977. Pior: até o próprio modo de entender a cultura brasileira decaiu de vez.
Hoje o que é MPB? Alguns engraçadinhos espalharam que o brega era a "verdadeira MPB" ou "MPB com P maiúsculo", vomitando seus conceitos até nas mídias progressistas, enquanto os ídolos brega-popularescos que jogavam suas porcarias nas rádios eram vistos como "vítimas de preconceitos", mesmo fazendo sucesso fácil e lotando plateias com menos esforço.
Hoje a sigla MPB virou um PMDB musical. E ouvir MPB reduziu-se a um mero processo de comer e beber ouvindo música. Virou coisa de couvert artístico, de MPBebum, com a trilha sonora calcada na Música Paralizada Brasileira de hoje, em que ninguém mais cria e todo mundo faz "tributo", desde os emepebistas verdadeiros mas cansados e os pedantes neo-bregas da Era Collor com medo de ostracismo.
Por isso, a sigla MPB anda desmoralizada. Aliás a música brasileira está desmoralizada como um todo, até mesmo o Rock Brasil. Não que não se produzam coisas boas hoje, mas é que o cenário principal foi empastelado pela indústria do entretenimento, pelo poder midiático, pela classe intelectual de hoje, que faz monografias e documentários com jabaculê e verbas da CIA.
Daí que poucos discutem a música brasileira, porque a intelectualidade "bacaninha" veio com esse papo de vale-tudo musical, um pretenso "tropicalismo de resultados" em que se atribui às rádios "populares", mas controladas pelo coronelismo midiático, o futuro do folclore brasileiro. Graças a essa elite pensante que se recusou a pensar, a cultura brasileira como um todo está em crise. E a MPB está junto.
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